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05/12/2016
Nas
últimas décadas os shopping centers evoluíram, acompanhando o novo
comportamento do consumidor e a consolidação do mercado. O que virá nos
próximos anos?
Por Camila Mendonça*
Poucos lugares são tão presentes em nossas vidas quanto os
shopping centers. Conhecidos e tratados como o terceiro lugar – aquele mais
frequentado depois da casa e do trabalho –, os shoppings se consolidaram como
espaços de convívio e socialização. Mas nem sempre foi assim: há 30 anos, os
empreendimentos não tinham a intenção de serem locais onde impera o conforto. E
a evolução da arquitetura dos empreendimentos diz muito sobre isso.
“Há cerca de 20 anos é que o mercado criou esse conceito
de shopping como a gente conhece hoje. Até 1995, com a exceção de alguns produtos
icônicos, como o MorumbiShopping, o Shopping Eldorado e o Center Norte, em São
Paulo, os shoppings não tinham o conceito de entretenimento”, explica Bruno Max
Alves Cardoso, gerente de conta da GPE Construtora, empresa especializada em
shopping centers. “Essa evolução é bastante baseada no desenvolvimento do
mercado norteamericano, onde os shoppings eram caixas fechadas com diversos
tipos de lojas cuja maior preocupação era o consumo”, resume Michel Rike,
sócio-diretor responsável pela área de arquitetura predial da Athié Wohnrath
Associados.
No meio do caminho, muita coisa mudou. Os shoppings
norteamericanos evoluíram com o mercado imobiliário e com a presença cada vez
maior da internet na vida dos consumidores. Aqui não podia ser diferente e o
setor brasileiro passou a olhar os mercados internacionais como referência, mas
a adotar soluções e conceitos tendo em vista a realidade do país. “O Plano Real
foi um divisor de águas”, afirma Cardoso. “Até 1994, shoppings eram grandes
espaços, verdadeiros centros de consumo, que nasciam a partir de grandes lojas,
como supermercados e materiais de construção. E se criava um centro de consumo
a partir dessas lojas”, explica. “Com a estabilidade da economia, com o aumento
da renda e do consumo, esses equipamentos iniciaram seu processo de expansão e
efetuaram mudanças”, conta Cardoso.
Rike avalia que as mudanças ocorreram pela necessidade do
mercado de inovar e de lidar com o crescimento da internet como canal de
consumo. “Houve uma influência do comportamento do consumidor, que mudou a
forma como ele gasta seu tempo. Houve um esgotamento do modelo de consumo de
lojas com a internet. E o shopping teve de se reinventar para criar novas
atrações. A arquitetura é parte importante dessa mudança”, diz o especialista.
É a arquitetura que escancara as evoluções sentidas pelo mercado.
Grandes
caixas fechadas
No início, os shoppings tradicionais eram grandes caixas
fechadas, onde não era possível distinguir o dia da noite. “Existia um conceito
de arquitetura diferente, fechado, para que a pessoa se perdesse no tempo.
Acreditava-se que isso provocava o aumento das vendas, porque as pessoas ficavam
e se perdiam em lojas”, explica Ana Claudia Rossi, diretora geral da Somma
Arquitetura. “Quando começamos neste mercado, víamos que não havia uma
preocupação de ser coerente. Fizemos retrofit de shoppings que tinham corredores
mortos”, conta a executiva.
“O conceito era quase como um cassino, em que você entra
e se perde. Foi assim no início do setor no Brasil, na América Latina em geral
e também na Europa. A grande função do shopping era aglutinar lojas de vários
usos e criar um destino de comércio”, explica Fabio Aurichio, sócio-diretor da
L35 Acia Arquitetura. Ele explica que, diferente de hoje, até o circuito de
lojas não era, propositalmente, muito claro. “Assim o consumidor passava várias
vezes pelo mesmo lugar”, conta.
Os primeiros shoppings eram térreos, grandes, mas com
corredores menores do que vemos hoje. Os materiais utilizados eram nobres, com
cores mais escuras. “Utilizava-se muita pedra natural e elementos dourados, que
era algo que trazia status”, afirma Aurichio. “A decoração era mais pesada e
não havia tanto a preocupação de combinar o jogo com o lojista”, diz. Hoje,
explica, o shopping busca elementos mais neutros justamente para que a atenção
do consumidor seja voltada para as lojas. “O Brasil busca um design mais clean,
com pisos contínuos”, afirma o especialista.
“As lojas eram muito mais padronizadas e todo mundo tinha,
por exemplo, o mesmo tipo de vidro. Hoje cada marca expressa sua identidade e o
mall passou a ser algo mais neutro”, completa Milenna Crespo, vice-presidente
da Designcorp International. “A gente passa a ter ambientes mais amplos, com pé
direito mais alto”, completa. “A preocupação de combinar o projeto da loja com
o shopping é recente. De 20 anos pra cá é que a meta do shopping passou a ser a
maximização do faturamento com fluxo e a captura de valor”, explica Cardoso, da
GPE Construtora.
Outra grande mudança é com o acabamento, segundo Vilemar
Magalhães, fundador da Contract Engenharia. “Os acabamentos eram em alumínio
composto, com compensado revestido de lâmina. Hoje, os revestimentos são placas
pré-moldadas de madeira, já com o acabamento final – isso dá mais conforto
visual”, explica.
Com os acabamentos, as cores também mudaram. “Os
shoppings eram mais coloridos e hoje trazemos mais paisagismo e trabalhamos com
menos cores”, afirma Ana, da Somma Arquitetura. “Atualmente, construímos
grandes jardins para a área de restaurantes e as cores ficaram mais clean e
básicas”, explica.
Os corredores ficaram maiores, as pedras deram lugar para
granito em projetos mais sofisticados e há mais uso de mármores importados e
madeira nas áreas de circulação e nas praças de alimentação. “Há uma
preocupação maior em transformar os ambientes em lugares mais aconchegantes,
por isso o uso de materiais que tragam essa sensação de conforto e nobreza, como
o granito, porcelanatos e madeiras, além do maior uso de vidro e aço inox, que
dão leveza aos projetos”, afirma Cardoso.
De toda a evolução pela qual passou a arquitetura do
setor, os especialistas são unânimes em dizer que a luz natural e o ar
condicionado foram as mais importantes. “Claramente, na década de 90 os centros
já tinham mais luz natural e o conforto do ar condicionado”, conta. “Há uma
preocupação em trazer luz natural – essa foi a grande mudança”, acredita Rike,
da Athié. “Além disso, o sistema de climatização e novos materiais e
tecnologias propiciaram um ambiente confortável e conectado com o exterior”,
diz.
Mudança
de propósito
Um dos grandes propulsores da nova cara dos shoppings
centers foi a mudança do comportamento de compra dos brasileiros. Ela fez os
malls mudaram seu propósito – o que impactou diretamente os projetos. “A partir
do momento em que temos a sofisticação do consumo e a explosão do comércio
eletrônico, o consumidor passa a não buscar apenas preço, mas experiência”,
afirma Cardoso. “O próprio modelo do negócio de shopping e a cadeia de fornecedores
mudam”, diz.
Nesse novo contexto, surgiu a necessidade de oferecer ao
consumidor tudo em um mesmo espaço. “Foi a partir daí que a demanda por
alamedas de serviços cresceu. E, com elas, a transformação do ambiente de
shopping em um lugar de permanência maior, mas diferente de anos atrás. A
compra não é mais o motivador da ida ao shopping, e sim uma consequência”,
explica Soraya Alvarenga, diretora de projetos da Control Tec.
“Com o tempo, foram sendo criadas áreas para crianças, para
adolescentes e para as pessoas poderem descansar. Há mais áreas abertas e os
corredores ficaram mais amplos, para que as seja possível circular com mais
conforto”, afirma Soraya. “Tudo isso pensando na experiência do frequentador.
Os donos dos shoppings perceberam que era preciso criar alternativas”, diz.
O mix de lojas, por sua vez, passou a ser desenvolvido
com foco no entretenimento e em serviços – o que fez os projetos se preocuparem
em criar grandes áreas comuns, diferentes dos projetos mais antigos, que
priorizavam as lojas. Assim, o design das praças de alimentação, cinemas,
teatros e parques internos ganha importância. “A presença das áreas de
convivência é importante. Antes, o que era considerado um espaço perdido é um
espaço atrativo”, afirma Ana, da Somma Arquitetos.
“A grande mudança nos projetos está ligada à adaptação do
shopping ao lifestyle do consumidor. O shopping passa a ser um ponto de encontro,
de relacionamento, e isso deve estar refletido nos projetos”, explica Milenna.
Dessa forma, os projetos priorizam áreas de convivência e de experiência, com
mobiliário que passe ao consumidor a sensação de estar em casa. Essa mudança de
propósito se reflete também nos espaços de lojas. O frequentador não quer
perder tempo, quer encontrar o que precisa da forma mais assertiva possível.
“Com isso, as âncoras não têm a mesma dimensão do passado. São espaços
menores”, afirma Rike.
De
dentro pra fora
As mudanças não ocorreram apenas onde os olhos alcançam.
Com a tecnologia, pontos importantes do processo construtivo também mudaram. “Há
30 ou 40 anos, os shoppings eram mais horizontais. Eram grandes áreas e a
estrutura era de concreto convencional, com um pouco de estrutura metálica para
a cobertura”, explica Magalhães, da Contract Engenharia.
O aumento do tráfego nas grandes cidades fez com que os
shoppings se preocupassem ainda mais com os estacionamentos – hoje uma das
principais fontes de renda do setor. “Por conta do adensamento urbano e com
cada vez menos áreas disponíveis, os shoppings se verticalizaram e surgiram os edifícios-garagem
e as garagens de subsolo. Isso provocou mudanças do ponto de vista de processo
construtivo”, afirma. Para dar conta dos novos deslocamentos, surgiram os
elevadores e as esteiras rolantes.
Como os shoppings estavam sendo construídos em áreas
urbanas, já adensadas, a necessidade de construir mais rápido e com menos impacto
sobre o entorno se fez presente. Nesse sentido, ganharam espaço estruturas
pré-moldadas – estruturas de concreto que são feitas fora do canteiro de obra e
transportadas prontas para o local. “É como se fossem peças de Lego: são
pilares de vigas, lajes alveolares e protendidas”, diz Magalhães. Com essas
peças, a construção ganhou velocidade. “Essas peças são montadas com a ajuda de
guindastes. Na estrutura convencional, é preciso ter uma forma e criar um
escoramento para sustentar toda a estrutura até que o concreto se firme. Só
depois da retirada desse escoramento é que é possível dar continuidade, o que demora
em torno de 20 dias”, explica. Com a estrutura pré-moldada, não há necessidade
de espera.
Bom,
bonito, barato e eficiente
Os empreendimentos, cada vez mais, se preocupam em aliar
beleza, preço e eficiência. “Houve uma preocupação maior, no geral, não apenas com
a estética interna e externa, mas também com a utilização de materiais prontos,
de fácil manutenção”, explica Soraya. Essa preocupação será presença constante
entre os empreendimentos no futuro: segundo Ana, da Somma Arquitetura, os
empreendimentos estão mais preocupados com certificações, como Leed (Leadership
in Energy and Environmental Design), que certifica empreendimentos preocupados
com a eficiência energética e sustentável; e Aqua (Alta Qualidade Ambiental),
que certifica empreendimentos verdes. “Todos querem isso nos projetos”, afirma
Ana.
“Essas mudanças são irreversíveis”, afirma Rike, da
Athié. “Há uma preocupação das empresas em ter características de
sustentabilidade, por convicção e por benefício operacional”, afirma. Nesse
sentido, o especialista acredita que projetos futuros serão cada vez mais de
uso misto. “Cada vez mais o modelo tradicional de mall vai ter variáveis e se
reinventar para atender a esse consumidor que está buscando coisas novas”,
afirma Milenna, da Designcorp. “O uso misto nasceu para rentabilizar os
terrenos e criar uma sinergia entre os usos e seguirá como prioridade dos
projetos”, acredita.
Para os especialistas, quem pautará a nova cara dos
empreendimentos, agora e no futuro, é o consumidor. “Cada vez mais, temos um
conceito muito específico para cada localização. Antes o projeto de shopping era
muito padronizado. Agora, os projetos se conectam com a comunidade onde estão
inseridos e com as características daquele lugar e daquele consumidor
específicos. Cada projeto terá mais o DNA do seu consumidor”, completa Milenna.
*Matéria publicada na revista Shopping Centers